por António Chaves
Apresentações
Lisboa: Teatro Nacional Dª Maria II – 27 de Maio às 18 h – Jantar na Casa de Trás-os-Montes às 20 h
Vila Real: Grémio Liter. Vilarealense – Bibliot. Munic.ipal Dr. Júlio Teixeira – 16 de Maio às 21 h
Boticas: Biblioteca da Câmara Municipal – 23 de Maio às 18:30 h
Montalegre: Feira do livro, 8 de Junho
Um Olhar sobre a Terra
Miguel Torga deixou-nos, há mais de uma década, mas não sem antes nos mostrar como se olha para o mapa da nossa origem: «enxutos (os olhos) e juízo assente , eu estendo o mapa concreto de Trás-os-Montes no soalho desta sala e que cada um de nós, com os pés enterrados no húmus da sua aldeia o povoe de naturalidade…»
Bento da Cruz responde, de pronto, à chamada: «Lá na minha aldeia, a terra estava dividida em leiras. Cada um trabalhava a sua. Pincipiei por sachar a minha como via fazer a todos os outros. Fui aquilo que hoje se chama um trabalhador infantil. Mas então ninguém falava nisso. Quando troquei a enxada pela caneta, a minha leira passou a ser o Barroso».
E ainda: «Para mim, Barroso é um Paraíso. O único ou dos poucos que restam à face da terra. Tudo no Barroso: paisagem, sol, luz, estrelas, flores, aves, bichos, gentes mantêm uma pureza e uma frescura edénicas. Estivesse eu naquele estado de graça do nosso pai Adão, antes da trincadela na maçã, e decerto arrancaria à minha leira verdadeiros tesoiros».
Óscar Lopes confessa-nos ao prefaciar um desses tesoiros: «Antes de ler este livro, a que só gostaria de mudar o título (Planalto de Gostofrio), eu tinha como melhor romance português da infância o CINCO REIS DE GENTE, de Aquilino Ribeiro».
Regressamos a Miguel Torga. «O universal é o local sem paredes. É o autêntico que pode ser visto de todos os lados, e em todos os lados está certo como a verdade. Ora Trás-os-Montes é essa realidade sem muros, esse torrão aberto aos olhos do mundo, cioso de lhe pertencer e de o servir. Palmo de chão de uma pátria e húmus omnipresente».
Urbano Tavares Rodrigues acentua o registo: «Eis como um livro (Contos de Gostofrio e Lamalonga) tão voluntariamente localizado, fruto e expressão da experiência tão aderente de simpatia que permitiu a Bento da Cruz erguer a sua galeria de homens e bichos, e às vezes de homens bichos, assim alcança a universalidade». Também Méndez Ferrin se refere em A LOBA,a «um romance destinado a prevalecer....de sabores porventura esquecidos que nos libertam da escolaridade e do regulamento e nos fazem renascer, no coração, um português riquíssimo em vozes e expressões idiomáticas que julgávamos ter perdido e que aos galegos nos obriga ao re-encontro com nós mesmos».
E agora, já marcados os pontos de encontro e de consagração, voltemos a dar a palavra a Miguel Torga: «A faixa dos carreiros escusava bem de ser tão comprida; mas como andam de terra em terra, vá lá, desculpa-se a presunção. E pronto! A dobadoira roda que é uma maravilha. O novelo começa a crescer, crescer, e temo-lo daqui a pouco do tamanho do coração.
- Mas esperem aí! De onde é o amigo? De Freixo? Entre! Entre na roda e colha amêndoas…Queria ficar de fora, o grande maroto! E nós, santinho? De pinhãocelo?! Vamos! Aparelhe os machos e ferre-lhes com a carga em cima. Depressa! Pena não haver ninguém do Pocinho…Há?! Ó criatura de Deus, salte para dentro do rabelo e agarre-se à espadela! Mas cuidado! O cachão da Valeira é traiçoeiro…Apegue-se a S. Salvador do Mundo!
Perfeito! Temos o nosso reino animado. Os rios com barcos e barqueiros, as serras com rebanhos e zagais, os lameiros com charruas e lavradores…E podemos olhá-lo orgulhosos! Nenhum outro mais belo, castiço e aberto, tão capazmente servido pelos seus filhos. Terra viril e homens viris. Nem a sua beleza tem maneirismo, nem o seu catecismo é arcaico, nem a fundura dos seus horizontes significa perdição no vago, nem os sentimentos dos habitantes são mesquinhas fibrilações da alma..……O destino quis que houvesse no topo da pequena leira lusíada uma costeira onde tudo tivesse carácter e dignidade».
Lá estaremos todos, unidos no mesmo sentimento!
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